Friday, July 28, 2006

Teresa e as paixões


- De onde vem a paixão, Dolores? De que pé ela brota?

- A paixão nasce da vontade pervertida, minha pequena Teresa. E quando essa vontade cresce, pode até engolir o homem.

- Então a paixão é má?

- Nem boa, nem má, meu amor. Mas é perigosa. Pois depois de engolir o homem, ela se converte em hábito, e logo depois, se não tomar cuidado, vira necessidade.

- E o que é necessidade, Dolores?

- Necessidade, minha menina, é o que o homem sente quando a carne pede algo que o espírito necessariamente não precisa.

- Como quando depois de comer dois bombons, eu como mais dois, mesmo estando com a barriga cheia?

- Isso, querida. A necessidade e a paixão são compulsivas.

- Entendi. Então é por isso que você escreve sem parar? Porque está apaixonada, Dolores?

- Não, menina, é justamente o contrário. Eu escrevo sem parar porque quero me libertar das paixões.

- E para quê, Dolores? Para quê?

- Cale-se, Teresa.

Tuesday, July 25, 2006

Estimado Amante,



Cuando llegué a tus dominios, me recorriste con la mirada tantas veces, que sentí como si el tiempo no hubiese transcurrido desde nuestro último encuentro.

Contesté a tus hambrientas miradas con ávidos besos, ansiosos y húmedos, pero mis labios nada son ante tus ojos, cariño, que despiertan todos mis instintos, que devoran mi cuerpo, que se clavan y me hacen tan tuya.

Te ofrecí mis labios para tenerte a mi merced. Me encanta, querido, tenerte así, con sed de mis senos castos y rosados, esperando que me entregue en tus manos.

Leí para ti mis confesiones, mientras cenabas. Pero, en realidad, tenía ganas de olvidar las palabras escritas y tomarte para la práctica de nuestras fantasías. Creo que no tienes idea, hombre, de las dores que me provocas. Tú no sabías que mientras te ocupabas de la comida, mi pensamiento volaba para dentro de ti, que tan pronto aprendió a penetrar en las suaves profundidades de mi lugar más recóndito?

Me ahogué en un gemido profundo cuando me invadiste, y empezamos a bailar, mientras la música latinoamericana rellenaba el piso de pasión.
Desde mis pies comenzó a subir un temblor, y, al final, sentí que el deseo que me invadió llevaba grabado tu nombre, como una oración que me nubló la conciencia. Porque cuando estás en mi interior, estimado amante, yo tomo todo y te doy todo.

Has recorrido mis fantasías y conquistado cada rincón de mi geografía haciéndote dueño pero también esclavo de todos mis caprichos. Penetraste mi alma y te sentí, tan hondo, tan mío, que te deseé por toda la eternidad.

Te quiere y te desea,

Dolores

Saturday, July 22, 2006

CONVERSÃO



Por que te deixas perverter, carne minha?

Não percebes que sois apenas parte de um todo, que ainda desconheces?

Por que te permites escravizar pelos sentidos, meros fragmentos que servem somente ao deleite passageiro?

Não ensurdeças com o zumbido das tuas vaidades,

Nem te permitas cegar perante falsa beleza!

Converte-te, corpo, ao que é verdadeiramente belo,

Pois a alma existe para repousar no objeto que ama.

Wednesday, July 19, 2006

AQUÁRIO

Fora de seu habitat, ele era outro. À primeira vista, um sujeito cosmopolita qualquer, desapegado de qualquer identidade que pudesse posicioná-lo na arena onde convivem os seres sociais. Poderia ser um professor de literatura, com seus óculos de intelectual, cabelo escasso e a expressão caricata de seriedade. Ou quem sabe um respeitável esposo, pai amoroso de três belas meninas e funcionário público exemplar. Enquanto ele caminhava em direção à parada de ônibus fingindo não vê-la, ela se esforçava em reconhecer o homem de seus desejos naquele sujeito que deslizava trêmulo à margem do asfalto.

Aproximou-se dela, deu-lhe um beijo insosso no centro exato da bochecha direita, e tomou a distância de três largos passos. Não poderiam ser vistos juntos. O que pensariam deles? De que forma julgariam a conduta destes dois pervertidos, que se dedicavam com tanto afinco à exploração mútua de seus corpos? Ele era mestre na arte de construir muros. Fechava-se num círculo de autocontrole, que nada, nem mesmo a tempestividade do comportamento dela, era capaz de provocar nenhuma mísera rachadura. Irritou-se por não perceber nele a menor expressão de desejo. Onde estaria aquele homem provocante, ousado, intenso, a quem entregara seu corpo e sua poesia? Pensou em propor uma mudança de planos. Melhor seria desistir do teatro, e desfrutar a noite no habitat dele, onde não havia muros, círculos, nem quaisquer outros grilhões que lhe imobilizassem os sentidos.

Porém, antes de propor a reviravolta dos planos, o esperado transporte chegou. Duas vagas separadas. Cinco bancos e a inconveniente presença de outros sujeitos os mantiveram separados por quase uma hora. No trajeto, se perguntou se era o habitat que conferia encanto ao animal. Lembrou-se de que quando completou cinco anos, ganhou da mãe um peixinho incolor, desses que se compra por centavos na feira. Nada naquele peixinho sem vida, ordinário, incapaz de demonstrar afeto, lhe despertava interesse. Por isso, deixou-o conscientemente esquecido no tanque, entregue à própria sorte, sem se dar ao trabalho sequer de tirá-lo do saco plástico. A mãe, percebendo o desprezo que a filha conferira ao presente, comprou um aquário bem grande, bonito, decorou-o com castelinhos, luzes e pedrinhas coloridas, e colocou-o em posição de destaque na sala de estar. Quando voltou da escola, encontrou seu peixinho ordinário nadando soberano entre castelos e luzes, no melhor lugar da casa. Permaneceu por horas com o nariz grudado no vidro do aquário, bestificada com as piruetas e com a majestade de seu peixinho incolor.

Ao chegarem ao destino final, se entreolharam sem paixão. Ele caminhava a passos largos, indiferente aos pequenos pés da menina, incapazes de acompanhá-lo. Compraram os ingressos. Ela deu voltas impacientes ao redor das pilastras, onde caricaturas sem expressão estavam expostas. Ele, ao contrário, passeava com absoluta tranqüilidade, indiferente a ela, admirando os desenhos com a propriedade de quem está habituado a ler os pormenores da mente do artista. Tentou tocar-lhe o braço, mas a redoma que ele construíra parecia irremediavelmente sólida.

Devia adotar alguma atitude extrema para balançar os alicerces dele. Não esperava demonstrações públicas de afeto, mas por que lhe negava um mísero olhar de desejo, enquanto ela trepidava embaixo do vestido florido? Os atores anunciaram o início do espetáculo, decretando uma pausa em sua angústia. Pensou em atirar-se sobre ele, já que estariam protegidos pela escuridão do teatro. Mas o universo estava, definitivamente, conspirando contra ela naquela noite: por imposição dos roteiristas, homens e mulheres deveriam assistir separados à encenação, cujo tema principal era justamente o membro sexual masculino.

Enquanto os atores se esforçavam para arrancar gargalhadas do público, ela se perdia no olhar dele, estrategicamente posicionado à frente dela. “Como era irritantemente sedutor, como seu peixinho incolor depois de descobrir que era dono do aquário”. Comparada à história deles, o roteiro da peça não passava de um livro pré-escolar: repleto de imagens, vazio de sentidos. Como deixar-se seduzir por uma narrativa tão rasa, quando a profundidade que buscava se apresentava ali, a alguns passos, impassível, diante dela?

A angústia pelo toque aumentava a cada ato. Queria tocá-lo todo, passear as mãos pelo peito de animal peludo, pela cabeça quase lisa, pelos braços confortantes de homem protetor. Seria a personagem que ele ordenasse: a puta, a puritana, a desconhecida, a velha amiga. E deixar-se-ia dirigir por ele, até desmaiar de exaustão no ato final.

Os aplausos a reconduziram de volta à realidade. Estava suada, mãos trêmulas, aflita com o desejo incontido. Ele convidou-a para jantar, mas a ânsia de ser invadida pelo homem de seus desejos, fez-lhe recusar o convite e implorar que fossem logo para o aquário. Dispensara afagos, canções, e todos os rituais que ele praticava. Queria única e exclusivamente reencontrar o animal dono de seu habitat, que alimentava suas fantasias, que derrubava muros e repudiava redomas. O homem que preenchia seu espaço de identidade brutalmente poética, que lhe fazia rir e lhe concedia o direito da liberdade.

Quando chegaram às portas do aquário, um oceano de possibilidades se abria diante dela: na arena daquele lar, vivia livremente suas fantasias, trocava de identidade, de idade, de contexto social. Eram outras as que falavam nela, e de tanto se perder em suas vozes interiores, se reencontrava sempre mais una ao final do embate.

Livrou-se do vestido florido e das sandálias antes mesmo dele desabotoar a calça. Quando alcançou o quarto, encontrou-o admirando, diante do espelho, sua masculinidade, no closet. Jogou-se no chão, e rastejou até ele...

Esticou toda a sua coluna de víbora, entregou-lhe as costas, e com as mãos espalmadas no espelho, implorou pela posse. Camisas, calças, cintos e sapatos os invejavam. Essas testemunhas inanimadas os rodeavam no pequeno espaço do closet, culpando-os pela invasão. Eram donos do tempo e do espaço, e responderam com gemidos aos reclames dos objetos na estante.

Fez-lhe um último afago, com ternura. Perdeu-se mais uma vez na observação de seu peixinho, que aprendera a cativá-la, exibindo-se como se tubarão fosse.

Thursday, July 13, 2006

A MÍSTICA DA INFÂNCIA


TINHA SETE ANOS quando demonstrou o primeiro sinal de interesse pela história dele. Quando a professora trouxe para a sala de aula o boneco alvo, loiríssimo, de olhos azuis, a vontade dela foi de arrancá-lo das mãos da mestra e sair correndo para niná-lo. Mas o temor pela punição e a lembrança de que em casa havia um parecido com aquele, a detiveram.

Ao voltar da escola, pediu a mãe que resgatasse o boneco que só aparecia no final de dezembro, quando depois de onze meses trancafiado no fundo do guarda-roupa de seus pais, ocupava lugar de destaque na mesa da sala. Quando indagada do por que do inusitado pedido, a menina respondeu com insolência: “Quero niná-lo”. Com um ar de misteriosa comoção, a mãe libertou-o da caixa, desembrulhou os papéis que o envolviam, e o entregou à criança, como se ela fosse a ama-de-leite que vinha em seu auxílio.

Na escola, todo dia ouvia um trecho novo da história do seu novo brinquedo. As capas dos livros anunciavam um mundo de paisagens paradisíacas, com colinas verdes, muitos pássaros, flores, frutos e homens sorridentes a caminhar ao lado do menino de olhos azuis. Queria estar com ele também, comendo aquelas frutas vermelhas, pastoreando ovelhinhas e construindo barquinhos de madeira.

Um dia o levou para a escola, para que também pudesse ouvir as histórias que contavam sobre ele, e correr com ela por aquelas colinas verdes, brincando com pássaros e se lambuzando com maçãs caramelizadas. Deixou-o, como de costume, com o rosto recostado sobre seu seio, para protegê-lo. Mas antes mesmo de abrir o livro, a professora arrancou-o de suas mãos e arrastou ambos para a capelinha da escola, onde foram obrigados a rezar dez Pais-nosso e trinta Ave-Marias.

Cumpriu a penitência em voz alta, sem entender a razão que movera a professora. Quando foi enfim liberta, reclamou a devolução de seu brinquedo, mas a mestra a repreendeu severamente, e a abandonou choramingando, sozinha, no genuflexório. Voltou sem seu menino de olhos azuis para casa, e preferiu ocultar o fato da mãe, com medo de receber nova punição.

Antes de dormir, pensou em contar-lhe seu dia, como adotara por hábito desde que a mãe lhe presenteara. Achou que lá da sala da diretora ele ia gostar de ouvi-la. “Coitado, devia estar se sentindo tão sozinho”. Fechou os olhos e começou a falar sobre o beliscão que a irmã lhe dera no início da manhã, sobre o pai que andava esquisito, mais nervoso que de costume; o cachorrinho que a amiga da escola ganhara da tia...“Quem sabe mamãe não me dá um também no Natal?”.

Todos os dias, ao se deitar, repetia aquela conversa, que durava o tempo suficiente para que ela perdesse a noção da hora. Na escola, a cada dia lhe contavam novas histórias do menino de olhos azuis, que, num virar de páginas, se transformou num príncipe de cabelos longos cor de chocolate. Antes da aula começar, iam todos para a capela, ler uma cartilha com frases que ela não entendia. Para não ser repreendida, mexia os lábios, enquanto sua imaginação andava pelas colinas, pulando alegre ao lado daquele príncipe, diante do qual as professoras a obrigavam a se ajoelhar.

Preferia mil vezes pular corda, andar de patins ou jogar bola com seu amigo de cabelos cor de chocolate, a ficar ajoelhada numa sala escura, lendo palavras que não compreendia e ouvindo músicas que lhe davam sono.

TINHA DEZESSETE ANOS quando descobriu que seu amigo de infância não era como o boneco que a professora lhe furtara, nem vivia saltando sobre colinas verdejantes. Numa dessas noites, enquanto dialogava com ele, viu, pela primeira vez, sua imagem verdadeira refletida na palma de sua mão: ele era negro, índio, mulato, branco; meio ocidental, meio oriental; com cabelos crespos, quase lisos; e com uma ternura que jamais esqueceria. Pediu que a levasse até as colinas de sua infância, para comer maçãs. Precisava desse alento para ajudá-la a entrar na fase adulta, pois a alegria da meninice já lhe era escassa. Mas ele a ignorou. Adormeceu, um pouco decepcionada, mas sem perder as esperanças.

No dia seguinte, sobre a mesa do café, estampado na primeira página do jornal, o viu novamente. A manchete anunciava o início da guerra de independência de Kosovo. Ele estava lá, quase imperceptível, em segundo plano, com as mãos sobre um soldado morto em combate. Alegrou-se ao constatar que ele acabara de lhe revelar o caminho para chegar às colinas que tanto desejava.

TINHA VINTE E TRÊS ANOS quando começou a caminhar.

Tuesday, July 11, 2006

RITUAIS


Invadiu o espaço dele como se fosse vento. Descalçou as sandálias e se pôs a correr até a cozinha, onde compartilhariam a refeição noturna. Era uma moleca, livre, despreocupada, uma Lolita correndo feliz em direção ao brinquedo que acabara de ganhar. Mordeu-lhe os lábios, sacudiu a cintura, e, quando estava prestes a pular sobre ele como criança que recebe os pais na volta do trabalho, sua meninice esbarrou no olhar maduro do homem de quarenta. Seus gestos harmônicos, a cordialidade com a qual tratava saladas, aves e vinhos que seriam servidos, fizeram com que se contivesse.

Ralhou com ela por que lavara as mãos na pia da cozinha. Naquele momento, pensou em dizer-lhe que lavaria na pia da cozinha, no tanque ou na beira do rio, seu corpo inteiro, suas partes, suas intimidades, como criança malcriada que recolhe imundices do chão e depois as coloca na boca. Mas sentiu respeito pelo ritual que ele cuidadosamente preparara e resignou-se.


Adorava o gosto natural das verduras. Divertia-se roendo os ossos das aves sacrificadas. Observou, com curiosidade, o modo harmônico como ele desenhava com azeite sobre as folhas verdes e a precisão cirúrgica com a qual cortava a ave. Teve a certeza de que ele era amante de rituais, essa organização da realidade que ajuda o ser humano a melhor desfrutar os momentos como se fossem únicos. Também era ela, quando se fazia mulher, adepta dos ritos. Porém, suas organizações do real eram mais empíricas, mais sutis, perceptíveis apenas por aqueles que logravam penetrá-la por inteiro.

Colocou no rádio uma canção latino-americana (a preferida de ambos). Entre a maturidade e a inocência havia uma melodia que os unia. A canção era quase mágica: quando associada ao vinho despertava a mulher despudorada, ansiosa de todos os prazeres, desejosa de viver as experiências do desconhecido todas de uma só vez.

Quando se percebeu lúcida, já estava com as costas ancoradas no azulejo gélido da cozinha. Empurrando seu corpo contra o dela, parecia querer penetrá-la com braços, pernas, músculos, ossos, sangue e sentidos. Acuada contra a parede, escorregou de encontro ao vão formado entre as pernas dele. Conquistara novamente seu brinquedo e seu direito de voltar a ser menina!

Divertiu-se com a língua que escorregava pela virilha, enquanto ele, angustiado de desejo, apertava, quase implorando, suas carnes. Fugiu dos braços aflitos, e correu gargalhando desnuda e saltitante até o quarto, onde se entregou aos pulos à cama. Deixou seu corpo ir e voltar, embalado pela reação das molas. Associou o movimento à sinergia do corpo dela ao dele: quando atados, iam e voltavam freneticamente, sem descanso, com ânsias newtonianas, olhares e gozos plenos. Seu corpo voltou a pesar sobre o dela.

Como homem ritualístico que era, não se olvidou da taça de vinho, logo esquecida na mesinha de cabeceira. As mãos dela guiaram as dele, ensinando-o onde gostava de ser tateada. Seu corpo reagiu, trêmulo, após a descoberta do ponto de atração perfeito. Rodopiou sobre o corpo prostrado do homem maduro, oscilando sobre ele, como mar em dia de tempestade. E ele fez-se barco, ponte, farol para satisfazer aos caprichos da menina. Navegaram durante toda a madrugada, rindo ante a redescoberta da infância.

Ao amanhecer, levantou-se na ponta dos pés, tomando cuidado para não desperta-lo. Vestiu-se sem dar a menor atenção ao ato, e antes de deixar o apartamento, enxaguou o rosto, escovou os dentes e lavou suas intimidades na pia da cozinha.

Monday, July 10, 2006

Duas bailarinas















Duas bailarinas saltam
à beira do mar.
Suas pernas e braços se libertam,
já são como mariposas plenas de ar.

Flutuam as duas bailarinas,
esgotando olhos de tanto mirar.
Respiram beleza pelas narinas,
e exalam o sublime dom de amar.

Há cores cósmicas, dores acesas,
que sobre suas asas escorrem,
revelando mistérios com sutileza.

Vagueiam as duas bailarinas,
aquecendo as almas que encontram frias.
Atraindo insetos, incitando devaneios,
Despertando a luxúria de olhos alheios.

(À metanóica, pela libertação)

Thursday, July 06, 2006

Sobre os Sonhos e outros caprichos do espírito



Como se não bastasse a perda do Brasil no Mundial de Futebol, a esquerda mexicana também acaba de perder as eleições presidenciais. E eu que tinha tanta esperança no Ronaldinho Gaúcho e no Obrador...

Pena ter acabado tão cedo a euforia nas ruas da nossa gente unida pelo sonho das seis estrelas. Agora é torcer para algum ginasta, tenista ou piloto de Fórmula 1 se superar e ganhar a mídia, pra gente não ter que esperar quatro anos pra sonhar de novo.

Maldita seja essa competência do capitalismo de socializar o sonho e monopolizar todo o resto!

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E por falar em sonho, hoje quero me deitar com Heiddeger: “A essência do espírito humano não é só liberdade, é também o mistério. O fundamento da liberdade do ser humano é a abissalidade”.

O que há por trás dessas estruturas do real?

Socorro! Não estou mais cabendo em mim!

Wednesday, July 05, 2006


Minha doce e ingênua Luciana,

Quando cheguei em casa ontem, estavas perdida em tuas leituras noturnas e mal me miraste. Não sei o que te leva a desperdiçar tanto tempo lendo rococós para a alma. Enquanto eu tentava despertar tua atenção, exibindo meu corpo devastado pelo sexo, tu penetravas nas páginas, e só se empolgou quando descobriu uma frase do Agostinho: “O casamento é um estado consentido de pecado!”. “Que se dane o casamento!”, retruquei na tentativa de despertar em ti qualquer estado de mobilidade que pudesse incentivar um diálogo. Mas nem sequer te destes ao trabalho de discordar de mim, um de seus principais prazeres.

Queria lhe contar que mais uma vez estive com ele, mas que dessa vez ficou uma sensação de vírgula, que me deixou atônita. Por isso voltei mais engasgada que nunca, ansiando pelos teus ouvidos. Não quisestes me desafogar, e por isso, para não sufocar de palavras, escrevo essas linhas tortas que serão coladas na porta da geladeira, para que as deguste na hora do teu desjejum.

Voltava da dança, com o corpo exausto e suado, quando o celular vibrou insistente. O ineditismo do chamado (a àquela hora, sem qualquer aviso prévio) foi suficiente para me fazer umedecer e levitar até o apartamento dele, em fração de segundos. Encontrei a porta entreaberta, as luzes apagadas, e ele, prostrado nu sobre o sofá, preparado para o sexo.

Afoguei-me de boca no membro ereto, como sinal de boas-vindas. Naquela hora imaginei como você se envergonharia deste ato de total submissão. Mas te digo, metade apartada, que dentre todos os gestos de submissão, este foi, sem dúvida, o mais intenso. Devias experimentar vez em quando esses surtos de humilhação sexual, que tanto contribuem para aumentar o poder de dominação dos machos que, quando saciados, se desdobram em línguas e suores para conceder-lhe o gozo.

Possuiu-me no sofá, de pé, e gozou intensamente. Até então, éramos macho e fêmea no cio, potros selvagens cavalgando entre quatro paredes. O banho quente, após o orgasmo, devolveu-nos a humanidade. E foi aí, minha cara, no exato momento em que nos redescobrimos homem e mulher, que começaram as vírgulas. Desse momento em diante, nosso combate carnal-poético converteu-se de tal forma em uma sucessão de reticências, que me faltam sentidos para expressar com a propriedade que a vivência mereceu.

Ele, já saciado de prazer, me olhou com olhos de...

E eu, ansiando por ser envolta naqueles braços, deixei-me penetrar no universo dele para...

Com aquele corpo pesando sobre o meu, lembrei-me de que preciso...

E ele, se divertindo com meu prazer, me desejou ter mais...

Nossos corpos, embalados ao som de Yolanda, me remeteram a...

O telefone alardeou o fim da fantasia. Voltei para casa, para os teus ouvidos, com pesar, tão desejosa que estava de ouvir a Ópera do Malandro, e tão cheia de vírgulas e reticências que precisei de três taças de vinho para aliviar-me. E tu, sua insensível, com o teu Agostinho, esnobando a minha presença.

Que o seu dia seja pleno de experimentações.

Daquela que te pertence,

Dolores.

Monday, July 03, 2006

Ah Dolores...


Ah, Dolores...nem tudo são cores. Quando seu último amor se foi, sentiu-se pesada. Esperava pelas vacuidades que sempre chegam quando as almas, que um dia estiveram fundidas, se dissipam. Mas em seus ovários pesavam palavras que não foram ditas, os sonhos intangíveis, as obsessões cotidianas, o fardo desafiador da rotina. Aos vinte e cinco anos se é jovem para quase tudo. Porém, até para quem só viveu pouco mais de duas décadas, faltam forças para carregar memórias que permaneceram paradas no tempo, a espera de alguém que as recolhessem para serem vividas.

Ansiava pelo reconfortante sentimento da solidão, o maior indicativo humano de perda. Mas os dias transcorriam, e os ovários se inflavam indicando que era preciso esvaziar o corpo para um novo ciclo. Deixara tudo para trás, pois desistira de mirar-se no exemplo das mulheres de Atenas. Era muito jovem ainda para que lhe arrancassem qualquer coisa além de carícias plenas, obscenas. Tremia só em pensar na possibilidade de ver cativa sua liberdade - dom que ironicamente agora lhe era sobrecarga. Não sabia que destinação dar a seu corpo, justamente quando a juventude começava a apontar sinais de maturidade. No fundo, sentia a necessidade de sentir a raiz firme das coisas. Mas seu corpo não cabia no espaço monótono dos amores que inventara até então.

Quando seu último amor se foi, decidiu levar a cabo todas as fantasias de liberdade que cultivava dentro de si, e que sua moral de menina casta haviam lhe impedido de viver. Como a águia criada como galinha que pelas mãos de um desconhecido bom samaritano volta a perceber-se águia, tremia ante a presença da liberdade.

Já levava meses carregando o fardo em seus ovários, quando ele surgiu em sua vida. Havia caos em seus olhos e ordem em seus sentidos. Logo na primeira noite percebeu que a junção entre aquelas duas almas caóticas era profundamente generativa, ainda que ambos desconhecessem o caos que movia um e outro.

O virtual não a ludibriara: era verdadeiramente um homem interessante. Tinha senso de humor, sagacidade e o dom maior da virilidade. Mas suas palavras contraditoriamente revelaram um homem temeroso de ultrapassar o plástico limite do estético. Analisando friamente as palavras dele, era exatamente como os outros: desejava unicamente o corpo estético da menina-mulher, e essa constatação lhe causava repugnância.

Mas ele soube envolvê-la, atraí-la até seus domínios e subjugá-la ao prazer carnal, e esse era um feito que merecia ser recompensado. E mesmo limitada em seu desejo, às cegas, sem saber onde nem como tateá-lo, gozou intensamente. Viajou pelo caos do desconhecido e lhe arrancara uivos de prazer.

Quando deixou a cama dele pela manhã, sentiu-se mais leve, mas ainda pesavam seus culhões internos femininos. Não deviam ter trocado tantas palavras. Seus olhos caóticos o denunciaram, por mais que as palavras se esforçassem em afirmar o contrário. Não, ele definitivamente não era como os outros: não estava interessado apenas no corpo estético da menina-mulher. Divertiu-se com a fragilidade do homem que queria fazer-se invisível, e deixou-o, disposta a perceber a infinidade de desconhecimentos que aquele primeiro encontro despertara.

Passaram-se três dias até que ele a procurasse. Trocaram palavras truncadas, bem distintas daquelas que precederam o primeiro encontro. Nenhuma delas parecia fazer sentido depois da interação caótica e revigorante entre os corpos. Ela o tinha agora atravessado na garganta. Queria revelar mais de si a aquele homem, mostrar-lhe que seu corpo estético e sua alma estavam fundidos, que intensidade para ela consistia em revelar a alma durante o ato sexual.

No primeiro combate mostrara-se tão armado, que precisou de tempo para repensar a estratégia de ataque. “Para fazer o inimigo vir de livre vontade, exibe lucros aparentes. Para impedir que o inimigo avance, mostra-lhe os danos potenciais”. Resgatou o ensinamento do livro “Arte da Guerra”, que por muito tempo hesitou em ler, tão enojada que estava das campanhas “marqueteiras” que exploraram o clássico chinês.

Naquele momento agradeceu por gozar da companhia de Sun Tzu, que, aliás, devia saber como ninguém comandar uma mulher na cama. “Seleciona vacuidades e te aproprie delas”, sussurrou o chinês em seu ouvido. Adiou por mais três dias o novo combate. Quando o tempo chegou, já havia digerido a primeira batalha e sentia-se preparada para expor suas vacuidades ao desconhecido.


Ele arrumou os talheres com cuidado. E com zelo serviu o vinho. A música também estava mais apropriada: não tinha o apelo romântico criado na primeira noite. Como podem sete notas finitas criar variações sonoras infinitas? O pensamento chegou enquanto o observava preparar a massa que seria servida no almoço. Haviam elegido o dia para o novo combate. Assim tudo ficaria, literalmente, às claras, sem espaços para as fugas verbais e emocionais que tanto odiava.

Deixou o macarrão deslizar em direção aos pratos, com tranqüilidade. Será que ele estaria à procura de um cais? Segue pacífico, navegando com assustadora segurança. Balbuciou qualquer coisa, mas ela não o ouviu. Preferiu perder-se na observação daquele homem, que estava lhe ajudando inconscientemente a esvaziar-se. O vinho ampliou seu campo perceptivo. Após o almoço, foram passear os olhos sobre terras latino-americanas, onde ela havia pisado. O chinês sussurrou novamente em seu ouvido: “exibe lucros aparentes”. Deixou sua alma de libélula transparecer nitidamente, e ele se entregou.

Seus ovários estavam despejando óvulos. Estava plena de sangue, pesada, imprópria para o ato, segundo a moral que construíra. Mas com a maturidade discursiva que só o tempo concede, converteu-a a sua própria moral, e jogou-a no chão, possuindo-a com todo o seu desejo e suas vacuidades. Sentia o suor dele embeber seu colo, o sangue brotar abundante de seus ovários e, após o gozo incontido, o sêmen percorrer a linha tênue de suas costas.

Havia paz no modo como a olhava. Paz na maneira como suas mãos percorriam o corpo estético da menina-mulher. Ele adormeceu com a cabeça recostada em seu colo. E ela percebeu que estava vazia! Profundamente vazia, com os ovários desobstruídos, preparada para o novo ciclo. O beijou fraternamente, com cuidado para não despertá-lo.

Durante o ato, ele revelara à menina-mulher suas vacuidades: não desejava só o corpo estético, mas as palavras e os sonhos que a nova companhia lhe proporcionara. Por isso deixava escapar palavras que revelavam sua doçura masculina e dormia tranqüilamente entregue ao desejo dela. Percebeu com absoluta felicidade que ele realmente não precisava de um cais: precisava de ilhas para extravasar desejos e repousar quando estivesse cansado da navegação solitária. E ela, tão plena de flores e frutos, era um belo pouso para navegantes inconstantes, que vem e vão, sem dizer quando nem como chegam. Ah, Dolores...nem tudo são dores.