Friday, January 26, 2007

Da beleza da imaturidade


- Teresa, porque as crianças perdoam tão rápido?

- A gente não perdoa, Dolores.

- Não?

- Não. É que a gente compreende tanto, tanto, que nem precisa perdoar.
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- Dolores, como é que eu vou saber que já cresci?

- Quando você começar a raciocinar antes de acreditar, minha pequena.
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- E o que é esperança?

- É um inseto ortóptero que imita folha seca pra se esconder, Teresa.

- Hum...Igualzinho ao que gente grande faz. Eu acho, Dolores, que a esperança é o nome que se dá ao medo que as pessoas grandes tem de acreditar que o sonho é possível já. E é por isso que elas preferem acreditar que são só um montão de folhas secas: pra se esconder do presente e esquecer que a felicidade verdinha pode acontecer agora mesmo.

Thursday, January 18, 2007

Chuva de Verão


Esquecera o guarda-chuva. A maquiagem estava borrada, os dedos ensopados e escorregadios, o cabelo espigado. Calor insuportável que sucede as chuvas secas de verão. A promessa de refugiar-se entre as pernas dele, entre lençóis macios e a névoa fria do ar-condicionado, a fizeram prosseguir saltando os buracos do asfalto, esforçando-se para equilibrar-se sobre o salto instável, suportando as buzinas dos impacientes e o trânsito caótico dos dias chuvosos. Tropeçou numa tora de madeira trazida pela água, caiu de palmas no chão. Balançou a terra dos dedos, lambeu o dedão machucado. Arrancou as sandálias, apressou o passo, apertou a campainha estridente. O porteiro abriu a porta, ofereceu uma toalha. Agradeceu a cortesia, invadiu o elevador, passou a mão pelos cabelos. Encostou o dedão machucado na campainha. Silêncio do outro lado. Insistiu, com um pouco mais de força. Não obteve resposta. Resolveu bater. Nada. Minutos depois, se deu conta de que chorava, enquanto esmurrava o muro de madeira, e ouvia a secretária eletrônica do celular. Desceu o elevador em prantos. O porteiro lhe assegurou que o havia visto entrar. Disse, com a mão sobre a sua, que os homens dessa nova geração são assim mesmo: displicentes, insensíveis, nada cavalheiros. Inclusive, havia percebido pelo cambalear de pernas dele, que havia bebido um pouquinho. Devia ter caído no sono, rendido pelo álcool. Não era pra moça se importar. Voltou a oferecer-lhe uma toalha, acompanhada de um cafezinho, no quartinho nos fundos do prédio. Não encontrou a névoa do ar-condicionado, mas o ventilador de duas pás era suficiente para afastar o calor. Os lençóis estavam limpinhos, cheiro de sabão de coco, recém-saído do varal. Acordou com o Sol incomodando os olhos. A primeira coisa que viu foi a calça desbotada do porteiro dobrada sobre a cômoda.

Thursday, January 11, 2007

Bolivariana


Ele têm cara e voz de rato latino da Disney. Nada simpático e radical, ele dificilmente se transformaria em um ícone comercial para venda de camisetas e boinas fora de Caracas. Ainda assim (ou por isso mesmo), tem ocupado nas últimas semanas mais espaços midiáticos que todos os líderes latinos, europeus, africanos e asiáticos juntos. Graças a ele, Dolores têm garantidas as suas gargalhadas diárias, ao assistir e ler os comentaristas neoliberais (essa expressão já virou démodé?) blasfemarem contra o populismo do ditador venezuelano. Sua preferida é a Miriam Leitoa, que entre babas e cabelos ao vento, adverte a iniciativa privada, com crescente sofreguidão, sobre o risco de uma “revolução bolivariana”. Dolores rola de rir diante das múltiplas interpretações dos donos da voz sobre o novo socialismo pregado pelo baixinho, muito similar ao capitalismo andino-amazônico que o índio Morales tem tentado implantar em território boliviano. E, quase convulsionada de tanto gargalhar, imagina o quanto deve estar sendo torturante pro Bush e companhia assistir à ascensão do ratinho, justo no momento em que Fidel ameaça pendurar as botas. Dolores não se daria por Chávez, nem ergueria bandeiras por suas idéias: ele lhe recorda o Brasil de seus pais, e o recente México sob domínio do PRI. Mas só por ousar seguir um outro caminho, ele faz jus as suas cores.

Wednesday, January 10, 2007

VIGÍLIA





Desconfio que estou desaparecendo,
E por isso estou em vigília.
A inexistência pode chegar a qualquer hora,
E penetrar meu espírito, em surdo silêncio.


Então meus olhos procurarão o que já não estará.
Buscarão nos altos ventos que espreitam minha juventude,
A perpetuação dessa efêmera ânsia de vida.
Desta vida que outrora amei.

Monday, January 01, 2007

Relembranças II


Se eu quisesse, enlouquecia. E estando louca, não voltaria.
Ficaria na ilha, sonhando no banco de trás do Fusca 74 de Fernando.
Viveria prostrada sobre o couro rasgado, vendo Cuba passar pela janela, como película muda musicada por Pólo Montañez.
Absorveria o cheiro de tabaco mesclado com café, e me perderia entre as pernas de mil mulatos.

Se eu quisesse, enlouquecia. E estando louca, acreditaria.
Envelheceria ao lado de Fernando, aguardando a volta do comandante.
Beberia mojitos, seguindo a estrela perdida entre as ruínas de Havana.
Choraria de alegria, ao ver os náufragos regressarem esperançosos num Granma despedaçado.

Se eu quisesse, enlouquecia. E estando louca, lutaria.
Levantaria a voz, e com canetas, esbravejaria.
Renunciaria aos vãos prazeres, e, de fato, amaria.
Descobriria que era loucura amar tanto, e com Fernando, cegaria.
(Relembranças de Janeiro de 2006)