Tuesday, July 11, 2006

RITUAIS


Invadiu o espaço dele como se fosse vento. Descalçou as sandálias e se pôs a correr até a cozinha, onde compartilhariam a refeição noturna. Era uma moleca, livre, despreocupada, uma Lolita correndo feliz em direção ao brinquedo que acabara de ganhar. Mordeu-lhe os lábios, sacudiu a cintura, e, quando estava prestes a pular sobre ele como criança que recebe os pais na volta do trabalho, sua meninice esbarrou no olhar maduro do homem de quarenta. Seus gestos harmônicos, a cordialidade com a qual tratava saladas, aves e vinhos que seriam servidos, fizeram com que se contivesse.

Ralhou com ela por que lavara as mãos na pia da cozinha. Naquele momento, pensou em dizer-lhe que lavaria na pia da cozinha, no tanque ou na beira do rio, seu corpo inteiro, suas partes, suas intimidades, como criança malcriada que recolhe imundices do chão e depois as coloca na boca. Mas sentiu respeito pelo ritual que ele cuidadosamente preparara e resignou-se.


Adorava o gosto natural das verduras. Divertia-se roendo os ossos das aves sacrificadas. Observou, com curiosidade, o modo harmônico como ele desenhava com azeite sobre as folhas verdes e a precisão cirúrgica com a qual cortava a ave. Teve a certeza de que ele era amante de rituais, essa organização da realidade que ajuda o ser humano a melhor desfrutar os momentos como se fossem únicos. Também era ela, quando se fazia mulher, adepta dos ritos. Porém, suas organizações do real eram mais empíricas, mais sutis, perceptíveis apenas por aqueles que logravam penetrá-la por inteiro.

Colocou no rádio uma canção latino-americana (a preferida de ambos). Entre a maturidade e a inocência havia uma melodia que os unia. A canção era quase mágica: quando associada ao vinho despertava a mulher despudorada, ansiosa de todos os prazeres, desejosa de viver as experiências do desconhecido todas de uma só vez.

Quando se percebeu lúcida, já estava com as costas ancoradas no azulejo gélido da cozinha. Empurrando seu corpo contra o dela, parecia querer penetrá-la com braços, pernas, músculos, ossos, sangue e sentidos. Acuada contra a parede, escorregou de encontro ao vão formado entre as pernas dele. Conquistara novamente seu brinquedo e seu direito de voltar a ser menina!

Divertiu-se com a língua que escorregava pela virilha, enquanto ele, angustiado de desejo, apertava, quase implorando, suas carnes. Fugiu dos braços aflitos, e correu gargalhando desnuda e saltitante até o quarto, onde se entregou aos pulos à cama. Deixou seu corpo ir e voltar, embalado pela reação das molas. Associou o movimento à sinergia do corpo dela ao dele: quando atados, iam e voltavam freneticamente, sem descanso, com ânsias newtonianas, olhares e gozos plenos. Seu corpo voltou a pesar sobre o dela.

Como homem ritualístico que era, não se olvidou da taça de vinho, logo esquecida na mesinha de cabeceira. As mãos dela guiaram as dele, ensinando-o onde gostava de ser tateada. Seu corpo reagiu, trêmulo, após a descoberta do ponto de atração perfeito. Rodopiou sobre o corpo prostrado do homem maduro, oscilando sobre ele, como mar em dia de tempestade. E ele fez-se barco, ponte, farol para satisfazer aos caprichos da menina. Navegaram durante toda a madrugada, rindo ante a redescoberta da infância.

Ao amanhecer, levantou-se na ponta dos pés, tomando cuidado para não desperta-lo. Vestiu-se sem dar a menor atenção ao ato, e antes de deixar o apartamento, enxaguou o rosto, escovou os dentes e lavou suas intimidades na pia da cozinha.