Diário de Transbordo - Parte XV: Mitos e Lendas - La Malinche

- Dolores, Dolores, descobri sua verdadeira identidade!
(Silêncio)
- Ah, é, Teresa? Quem sou eu, segundo você?
- Você é a Malinche, a mulher que usa a língua para circular em dois mundos, e trair os que estão do lado de lá em favor dos que estão do lado de cá ! Você não conhece a história?
- Não, Teresa. Não conheço quem dizes que sou.
- A Malinche foi uma mulher que viveu na época da invasão espanhola aqui no México, lá pelos anos de mil e quinhentos e minha vó. Ela foi vendida como escrava pelo seu padrasto, que, acho, não devia gostar muito dela. Enquanto estava presa, ela acabou aprendendo a língua maia, com os índios que ficavam no cativeiro com ela. Ela foi vendida aos invasores, e também começou a aprender espanhol, porque era muito sabida. Nessa mesma época, o famoso invasor Hernán Cortés estava chegando por aqui, logo se entusiasmou com a habilidade lingüística da Malinche, e aí, língua vai, língua vem, acabaram fazendo um filho. O Cortés carregava a Malinche para tudo quanto era lado, para negociar com os índios. Eu acho que ela não traduziu direito, porque a cada troca os índios mexicanos ganhavam enxadas enquanto os invasores espanhóis enchiam os bolsos de ouro.
- Bela história, Teresa. Mas é assim que você me vê? Uma sábia ex-escrava traidora?
- Ai, Dolores, você não entendeu nada. Não é pra interpretar ao pé da letra. Você também trai pela língua, mas só pra tentar ajudar os que não tem voz.
Cidade do México, 21 de outubro de 2006.