Monday, October 30, 2006

Diário de Transbordo - Parte XV: Mitos e Lendas - La Malinche




- Dolores, Dolores, descobri sua verdadeira identidade!

(Silêncio)

- Ah, é, Teresa? Quem sou eu, segundo você?

- Você é a Malinche, a mulher que usa a língua para circular em dois mundos, e trair os que estão do lado de lá em favor dos que estão do lado de cá ! Você não conhece a história?

- Não, Teresa. Não conheço quem dizes que sou.

- A Malinche foi uma mulher que viveu na época da invasão espanhola aqui no México, lá pelos anos de mil e quinhentos e minha vó. Ela foi vendida como escrava pelo seu padrasto, que, acho, não devia gostar muito dela. Enquanto estava presa, ela acabou aprendendo a língua maia, com os índios que ficavam no cativeiro com ela. Ela foi vendida aos invasores, e também começou a aprender espanhol, porque era muito sabida. Nessa mesma época, o famoso invasor Hernán Cortés estava chegando por aqui, logo se entusiasmou com a habilidade lingüística da Malinche, e aí, língua vai, língua vem, acabaram fazendo um filho. O Cortés carregava a Malinche para tudo quanto era lado, para negociar com os índios. Eu acho que ela não traduziu direito, porque a cada troca os índios mexicanos ganhavam enxadas enquanto os invasores espanhóis enchiam os bolsos de ouro.

- Bela história, Teresa. Mas é assim que você me vê? Uma sábia ex-escrava traidora?

- Ai, Dolores, você não entendeu nada. Não é pra interpretar ao pé da letra. Você também trai pela língua, mas só pra tentar ajudar os que não tem voz.

Cidade do México, 21 de outubro de 2006.

1 Comments:

At 1:32 PM, Blogger Mauro Sérgio Farias said...

Nós, os que não temos voz, nunca precisamos tanto de alguém que traia pela língua para nos ajudar.

Afinal, os linguarudos de nosso tempo têm demonstrado uma fidelidade canina para com nossos inimigos.

A mesma língua que passeia por nós durante o ato de amor e que nos apresenta os sabores da vida também pode ser uma arma contra nossos espíritos.

Saudades em fraternura,

Mauro

 

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