CARIOCA - PARTE FINAL

Ergueu-se sem grande esforço, espalmando as mãos enrugadas de sal na areia fofa. Sentiu enquanto cruzava a Atlântica uma profunda sensação de milagre, como se em seu ventre carregasse o futuro. Encontrou os móveis ordenados, os quadros alinhados, os entes queridos mumificados nos porta-retratos. Mas não encontrou nenhum pedaço de si armazenado entre as quatro opacas paredes daquele apartamento. Toda a delicadeza de sua existência havia se perdido nas espumas do mar de Copacabana. Agora, sua vida era um ventre entreaberto, fecundado por um boto. O desejo de ser mãe era um sonho antigo, mas o superlativo de sua existência amedrontava os homens. Morria a cada noite, quando os sonhos revelavam que não encontraria na suposta outra metade o espanto de vida pela qual sua alma ansiava. Mas agora era mãe, e a vida fruía de seu ventre. Gargalhou da loucura de poder gerar. Sentiu a arfante respiração de mil peixes em sua barriga, e pressionada pelo excesso de ar, a bolsa estourou. A água salgada inundou o apartamento, derrubou a porta, invadiu corredores até a última onda alcançar a cobertura. Enquanto se afogava de liberdade, ouviu o choro confortante de uma criança. Mamãe, mamãe, mam..