Thursday, November 16, 2006

O REENCONTRO


A primeira coisa na qual reparou ao entrar foram as folhas verdes, brasileiríssimas, contrastando com os móveis do início do século. Perguntou-se se além do novo arranjo na sala, haveria algo de novo naquele espaço que para ela já parecia tão familiar. Móveis em perfeita ordem, sem qualquer sinal de poeira que pudesse denunciar a passagem dos dois meses que os apartavam.

As luzes do corredor pareciam ter sido esquecidas acesas desde a brusca despedida, quando se amaram, aflitos, entre as duas paralelas brancas de concreto. Imaginou-o prostrado sobre a cama, mãos e braços abertos, com ânsias dela. A imagem mental fez com que se apressasse, mas ao chegar ao vão da porta do quarto deteve-se, insegura. O tempo teria apagado todas as belezas do que com tanta paixão haviam construído? Teria ele encontrado poesia em outros seios, e agora a atraía para conceder-lhe o tiro de misericórdia de um adeus entre um orgasmo?

Lembrou-se do primeiro dia em que invadiu aquele lar, tão segura de si, sem desejo de se dar. Queria apenas repousar uma noite entre as pernas daquele homem que a desafiara e esnobara seus valores, para que ele tomasse a prova de seus versos e de seus mistérios, e depois suplicasse por mais poesia e mais revelações. Mas a medida em que as noites foram se multiplicando, ela passou também a suplicar, e se deu, e se revelou, deixando as máscaras caírem como pétalas de uma rosa que nunca acaba.

Espiou-o pela brecha da porta, e encontrou-o nu, com um meio sorriso, que deixava a boca entreaberta, pronta para o beijo que ela ansiava por dar. Entrou fulminante, e jogou-se toda sobre ele, para dizer com o ventre que sentira a sua ausência.

...

Sentiu-se tranqüila com a constatação de que nada havia se perdido. Encontrou com os dedos o livro de contos eróticos na cabeceira da cama, deixou-se rodear pelas paredes, já tão acostumadas com a sua voz; sentiu o odor quente dos lençóis impregnados com seu cheiro de menina. Entregou-se mais uma vez aos caprichos dele, oferecendo-se toda, como a escrava submissa renegada.

Sonolenta, com os sonhos em fila para serem sonhados, quis repousar sobre ele, mas inesperadamente a noite recomeçou. Olhou fixamente para ela, afastando o sono com as mãos ávidas de desejo, e revelou novo mistério, que a fez trepidar de excitação.

Entregou em suas frágeis mãos de menina, um pincel. Ela pegou-o, hesitante, sem saber em que direção seguir, quais cores usar, temerosa de deixar marcas que não poderiam ser apagadas. Ele a estava desafiando uma vez mais, e dessa vez se recusava a ajudá-la.

Tentou, desajeitada e ansiosa, manipular pincéis e aquarela, mas as tintas escorregavam, e a tela se movia todo o tempo. Pensou em um projeto dadaísta, logo em um surrealista, acudiu ao impressionismo.

Mas nenhum traço parecia fazer sentido. Mil vezes lançou cores ao ar sem sucesso, e já estava preste a desistir quando ouviu seu primeiro gemido de prazer. Renovada, atreveu-se mais e mais, certa de que se vencesse o desafio o teria refém de suas poesias.

Ao acordar na manhã seguinte, embalada pela respiração dele, reparou, maravilhada, que assim como ela, ele agora tinha um Van Gogh em sua cabeceira:"Nuit Etoille à St. Rémy ".

2 Comments:

At 5:05 AM, Blogger A digestora metanóica said...

e eles voltaram com tudo...

 
At 5:45 AM, Anonymous Anonymous said...

Soy el desesperado, la palabra sin ecos.

El que lo perdió todo, sin nunca haber te tocado.

Niña, tienes ojos profundos donde la noche alea.

Y aquí me estiro y ardo en la más alta hoguera.

Inclinado en las noches, por que nunca fuiste mía.

 

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