Tuesday, September 05, 2006

ELAS SE DESPEDEM




- Dolores, Dolores, olha só o que achei no jardim esta manhã! Será que é pra mim?

- Deixe-me ver, menina. Bonito envelope.

- É pra mim, Dolores? É?

- Sim, querida. Alguém deve saber que você está partindo e quis te fazer uma surpresa.

- Quem é? Quem é? Lê pra mim, Dolores! Lê logo!

- Aquiete-se, menina impaciente! Deixe-me ver...Aqui diz:


“A vez primeira que eu fitei Teresa,

Como as plantas que arrasta a correnteza,

A valsa nos levou nos giros seus

E amamos juntos E depois na sala

"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala...

- Teresa, Teresa, quem te escreveria versos de amor tão intensos? Por onde tens pousado, pequena?

- Não quebre a poesia, Dolores! Poesia quebrada não faz bem pra alma. Continua, vai!

“E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .

E da alcova saía um cavaleiro

Inda beijando uma mulher sem véus

Era eu Era a pálida Teresa!

"Adeus" lhe disse conservando-a presa

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"


- Alcova, Teresa?! Mulher sem véu? O que fazes durante o meu silêncio, menina?

- Ai, Dolores, já te disse para não interromper! Assim eu não consigo sorver os versos!


“Passaram tempos séculos de delírio

Prazeres divinais gozos do Empíreo

... Mas um dia volvi aos lares meus.

Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "

Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"


Quando voltei era o palácio em festa!

E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta

Preenchiam de amor o azul dos céus.

Entrei! Ela me olhou branca surpresa!

Foi a última vez que eu vi Teresa!”

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"



- Lindo, não acha, Dolores? Quem foi que escreveu?

- Você deve saber, menina.

- Não sei não. Quem me escreve sempre é o Bandeira, mas ele não escreveria algo tão bonito pra mim. Da última vez ele disse que as minhas pernas eram estúpidas, que a minha cara parecia uma perna, e que meus olhos eram velhos.

- Sorte a sua, que ao menos inspira versos, Teresa... Mas dessa vez você acertou. Não foi o Manuel quem lhe escreveu; foi Castro Alves... E o papel ainda cheira a tabaco...

- Ah, Dolores, não sejas ingrata com teu Neruda. Não passa uma semana sem que ele te escreva. Lê para mim a última carta que ele deixou debaixo do teu travesseiro, vai?

- És jovem demais para minhas dores, Teresa.

- Se não me permites vê-las, se só de cores pintas meu mundo, como queres que eu cresça?

“Dolores…
Apenas te he dejado,
vas en mí, cristalina
o temblorosa,
o inquieta, herida por mí mismo
o colmada de amor, como cuando tus ojos
se cierran sobre el don de la vida
que sin cesar te entrego.

Amor mío
nos hemos encontrado
sedientos y nos hemos
bebido toda el agua y la sangre,
nos encontramos
con hambre
y nos mordimos
como el fuego muerde,
dejándonos heridas.

Pero espérame,
guárdame tu dulzura.
Yo te daré también
una rosa”.

- Por que choras, Dolores?

- Pegue suas malas, menina. E não esqueça das cartas, para não esquecermos de nós mesmas durante a viagem.

2 Comments:

At 6:18 AM, Blogger Mauro Sérgio Farias said...

E que não deixemos de ter notícias da velha companheira Lu e da impetuosa Dolores em plagas mexicanas.

Afinal, estaremos a menor distância que existe. A de um coração.

A amizade não conhece fronteiras e, como já disse Mano Brown, "as grades nunca vão prender nosso pensamento".

Em fraternura,
Mauro

 
At 1:00 PM, Anonymous Anonymous said...

Querida Lu,
seu blog alimenta minha alma, sabia? Não sei se entendo o que você quer dizer, mas o que entendo é de uma harmonia e inteligência bárbaras entre palavras e sentidos...

beijo no coração

 

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