Thursday, June 15, 2006

CHIAPAS: CELEBRAÇÃO DA IGUALDADE - PARTE 1



Doze horas do Distrito Federal até a capital do oitavo maior estado do México: Tuxtla Gutierrez, Chiapas. À primeira vista, não há nada que a distinga das demais províncias. Ou melhor, quase nada. Não fossem as camisetas de Che Guevara e do subcomandante Marcos, líder do Exército Zapatista de Liberação Nacional, dispostas sem pudor nas vitrines de lojas para turistas, a riqueza de simbolismos da capital poderia passar desapercebida ante olhares mais desatentos.

O mercado municipal, onde as “chiapanecas” – comerciantes que preservam em seus trajes as tradições indígenas – convidam os visitantes a desfrutar os típicos tamales chiapanecos (uma espécie de pamonha apimentada) e os caldos, igualmente caprichados com “chile”, é um convite a uma experiência sensorial das mais enriquecedoras. A mistura de aromas exalados pelos grãos multicoloridos, milho cozido, peixe, ervas, café e licuados (leite com frutas) e o corre-corre das crianças trajando seus gabanes, concedem ao local uma atmosfera mágica.

O centro da cidade, absolutamente urbanizado, é demarcado por uma igreja (a Catedral de São Marcos), e o coreto, onde todas as noites se realizam danças e concertos ao ar livre ao som da marimba, um ritmo da Guatemala, em muito semelhante à salsa. Aliás, o estado de Chiapas, banhado pelo Oceano Pacífico, faz, ao sul, fronteira com a República da Guatemala – daí o inevitável sincretismo cultural.

Mas o cartão postal do estado não está na capital, e sim na simpática Chiapa de Corzo, localizada a 20 minutos de Tuxtla Gutierrez. O Cañón del Sumidero, decretado parque nacional em 1980, abriga espécies vegetais e animais das mais variadas, e não é difícil encontrar durante as duas horas de trajeto de lancha (a 100 pesos por pessoa), crocodilos e serpentes sobre as rochas, que chegam a alcançar mil metros de altura. Na época da invasão espanhola, El Cañón foi palco de árduas batalhas entre índios e espanhóis. Diante da inevitável escravidão, conta a história que uma aldeia inteira se lançou ao mar. Hoje, o espetáculo é revivido (sem o dramático desfecho, obviamente) do alto das rochas por atores locais, para deslumbramento de turistas.

Aos 20 dias de janeiro, por ocasião da celebração do dia de São Sebastião, a população sai às ruas, com trajes coloridos, flores, fogos de artifício, e, quase oculto pelo som dos apitos e o alvoroço das danças, a imagem do patrono, carregada por meninas bem-maquiadas, no interior de uma carruagem, desde onde são lançadas balas e colheres para o povo em festa. Após a procissão, os “parachicos” (meninos mascarados), se aglomeram para saltar e cantar ao redor da imagem do santo. A herança das tradições maias não poderia ser mais evidente.

San Cristóbal de Las Casas

Seguindo a trilha das camisetas dos revolucionários e dos campos devastados pela ação das madeireiras, chega-se a San Cristóbal de Las Casas, a duas horas da capital. O ar seco e o sol rachante, apesar do frio, denunciam a proximidade com a serra. Avançando pelas ruas estreitas, compostas por pedras e casas coloniais bem conservadas, encontra-se o Palácio Municipal, onde, em 1 de janeiro de 1994, os índios (tzotzil, tzeltal, tojolabal, zoque e chole), liderados por um professor universitário que abraçou a causa indigena e que por 12 anos esteve construindo, na serra de Chiapas, o núcleo do Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), o subcomandante Marcos, iniciaram uma rebelião armada com o intuito de obter autonomia e direitos constitucionais que lhe assegurassem a propriedade coletiva das terras indígenas.

Os zapatistas chegaram a ocupar toda a cidade de San Cristóbal, bem como as cidades vizinhas de Las Margaritas, Altamirano e Ocosingo. A conquista lhes custou 600 homens. Após a matança, o governo mexicano, pressionado pela opinião pública, decretou cessar-fogo, no mesmo dia em que se firmara o Tratado de Livre Comércio entre México e Estados Unidos.

Onze anos mais tarde, crianças e mulheres indígenas miseráveis rodeiam o Palácio e a catedral da cidade, construída logo após a chegada dos espanhóis, em 1528, tentando vender peças de artesanato, e, principalmente, chaveiros do subcomandante Marcos, paliacates e pasa-montanas (lenços e gorros utilizados pelos integrantes do EZLN).